O dia que minha filha me deu um tapa na cara

vulvamtilliandum
2 min readNov 19, 2022

--

Há alguns meses, a Lucia me deu um tapão na cara. E você, provavelmente, vai dar razão a ela.

Eu já vinha sentindo um desconforto crescente com o tempo dela de TV, mas não tinha parado para elaborar bem como enfrentar o problema.

Interromper as sessões, muitas vezes, dependia de outros eventos (refeições, banho, escola, saídas, sono, chegada de visitas) e não, necessariamente, da minha vontade consciente.

Ver a má influência da TV sobre os gostos e o comportamento da minha filha, às vezes, era desesperador para mim. Minha vontade era que não tivesse mais TV em casa, um desejo que volta e meia vinha à tona.

Então, um belo dia, eu ansiosa e culpada, decidi que naquele dia ela já tinha excedido o tempo de TV e pedi para ela desligar o aparelho. Ela, naturalmente, resistiu. Primeiro ignorou, depois pediu mais tempo, e depois de conceder o tempo adicional, ela ainda se recusava a desligar a TV. Eu, já irritada, tive um impulso: esbravejei que ia doar a TV e que não teríamos nenhuma em casa.

Lucia, no mesmíssimo momento, vira e me dá um tapão na cara e fica esperando minha reação, ofegante, com os olhos marejados.

A imagem dela olhando para mim com os olhos cheios d’água, o corpinho todo em estado de alerta, ficou gravada para sempre na minha memória.

O meu olhar era de surpresa.

Ficamos alguns segundos olhando uma para a outra.

Eu, enfim, relaxei minha expressão facial e entendi que ela estava se defendendo, que foi grave o que eu fiz. A TV é viciante. Os desenhos são feitos para viciarem mesmo. E eu, num primeiro momento, era a responsável pela coisa chegar onde chegou. Como eu podia ameaçar tirar a TV, assim, abruptamente, da vida da minha filha?

Minha filha nunca foi de bater e xingar. Não usamos violência física e verbal em nossa família. A principal expressão de raiva dela é o choro, choro alto, forte, incontido. Vê-la me dar um tapa no rosto, eu, uma mulher adulta, sua principal referência feminina, e uma das principais pessoas de quem ela depende para viver, como reação firme à injustiça que sofreu de mim, me fez ficar secretamente feliz. Ela me me deu uma mensagem contundente. E eu consegui ler.

Relaxada a minha expressão de surpresa, ofereci um abraço e ela aceitou. Eu pedi desculpas e disse que não ia doar a TV. Ela liberou o choro e ficamos um tempo assim, abraçadas. Quando ela se acalmou, eu expliquei que a TV em excesso não era saudável, pois afetava de uma maneira ruim a nossa mente, a parte que comanda todo o corpo. Propus que estabelecêssemos uma quantidade diária de TV e que eu marcaria no relógio para ela saber. Ela concordou. Temos feito isso desde então e hoje, interromper as sessões de TV tem sido muito mais fácil.

Nunca mais ela sentiu necessidade de usar a linguagem da violência física para se comunicar comigo.

--

--